Siga @andre180282 no Twitter

29 de setembro de 2014

Trechos de Livros: Deus e o Estado (Bakunin)


Terminei recentemente a leitura do livro "Deus e o Estado" do russo Mikhail Bakunin.  Seguem os trechos mais interessantes que separei para o blog.


“Três elementos ou três princípios fundamentais constituem, na história, as condições essenciais de todo desenvolvimento humano, coletivo ou individual: 1º) a animalidade humana; 2º) o pensamento; 3º) a revolta. A primeira corresponde propriamente à economia social e privada; a segunda, à ciência; a terceira, à liberdade.”



“Toda a história intelectual e moral, política e social da humanidade é um reflexo de sua história econômica.”



“Sim, nossos primeiros ancestrais, nossos Adão e Eva foram, senão gorilas, pelo menos primos muito próximos dos gorilas, dos onívoros, dos animais inteligentes e ferozes, dotados, em grau maior do que o dos animais de todas as outras espécies, de duas faculdades preciosas: a faculdade de pensar e a necessidade de se revoltar.”



“Mas eis que chega Satã, o eterno revoltado, o primeiro livre-pensador e o emancipador dos mundos! Ele faz o homem se envergonhar de sua ignorância e de sua obediência bestiais; ele o emancipa, imprime em sua fronte a marca da liberdade e da humanidade, levando-o a desobedecer e a provar do fruto da ciência.”



“Tais são os contos absurdos que se narram e as doutrinas monstruosas que se ensinam, em pleno século XIX, em todas as escolas populares da Europa, sob ordem expressa dos governos. Chama-se a isto civilizar os povos! Não é evidente que todos os governos são os envenenadores sistemáticos, os embrutecedores interessados das massas populares?”



“O homem se emancipou, separou-se da animalidade e se constituiu homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento especificamente humano por um ato de desobediência e de ciência, isto é, pela revolta e pelo pensamento.”



“O povo, infelizmente, é ainda muito ignorante e mantido na ignorância pelos esforços sistemáticos de todos os governos que consideram isso, com muita razão, como uma das condições essenciais de seu próprio poder.”



“Esmagado por seu trabalho quotidiano, privado de lazer, de comércio intelectual, de leitura, enfim, de quase todos os meios e de uma boa parte dos estímulos que desenvolvem a reflexão nos homens, o povo aceita, na maioria das vezes, sem crítica e em bloco, as tradições religiosas. Elas o envolvem desde a primeira idade, em todas as circunstâncias de sua vida, artificialmente mantidas em seu seio por uma multidão de corruptores oficiais de todos os tipos, padres e leigos, elas se transformam entre eles em um tipo de hábito mental, frequentemente mais poderoso do que seu bom senso natural.”



“Até o século de Galileu e de Copérnico, todo mundo acreditava que o sol girava em torno da terra. Todo mundo não estava errado? O que há de mais antigo e de mais universal do que a escravidão? A antropofagia, talvez. Desde a origem da sociedade histórica, até nossos dias, sempre houve, e em todos os lugares, exploração do trabalho forçado das massas, escravos, servos ou assalariados, por alguma minoria dominante, opressão dos povos pela Igreja e pelo Estado.”



“O homem, animal feroz, primo do gorila, partiu da noite profunda do instinto animal para chegar à luz do espírito, o que explica de uma maneira completamente natural todas as suas divagações passadas e nos consola em parte de seus erros presentes. Ele partiu da escravidão animal, e atravessando a escravidão divina, termo transitório entre sua animalidade e sua humanidade, caminha hoje rumo à conquista e à realização da liberdade humana.”



“Resulta daí que a antiguidade de uma crença, de uma ideia, longe de provar alguma coisa em seu favor, deve, ao contrário, torná-la suspeita para nós. Isto porque atrás de nós está nossa animalidade, e diante de nós nossa humanidade; a luz humana, a única que pode nos aquecer e nos iluminar, a única que nos pode emancipar, tornar-nos dignos, livres, felizes, e realizar a fraternidade entre nós, jamais está no princípio, mas, relativamente, na época em que se vive, e sempre no fim da história.”



“Se nos é permitido, se é mesmo útil, necessário nos virarmos para o estudo de nosso passado, é apenas para constatar o que fomos e o que não devemos mais ser, o que acreditamos e pensamos, e o que não devemos mais acreditar nem pensar, o que fizemos e o que nunca mais deveremos fazer.”



“Enquanto a raiz de todos os absurdos que atormentam o mundo não for destruída, a crença em Deus permanecerá intacta e jamais deixará de produzir novos brotos.”



“Essas disposições místicas não denotam no homem somente uma aberração do espírito, mas um profundo descontentamento do coração. E o protesto instintivo e apaixonado do ser humano contra as estreitezas, as vulgaridades, as dores e as vergonhas de uma existência miserável. Contra esta doença, já disse, só há um único remédio: a Revolução Social.”



“Todas as religiões, com seus deuses, seus semideuses e seus profetas, seus messias e seus santos, foram criadas pela fantasia crédula do homem, que ainda não alcançou o pleno desenvolvimento e a plena possessão de suas faculdades intelectuais.”



“A ideia de Deus implica a abdicação da razão e da justiça humanas; ela é a negação mais decisiva da liberdade humana e resulta necessariamente na escravidão dos homens, tanto na teoria quanto na prática.”



“É preciso lembrar quanto e como as religiões embrutecem e corrompem os povos? Elas matam neles a razão, o principal instrumento da emancipação humana e os reduzem à imbecilidade, condição essencial da escravidão.”



“Sua existência implica necessariamente a escravidão de tudo o que se encontra debaixo dele. Assim, se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir à liberdade humana; seria o de cessar de existir.”



“A liberdade do homem consiste unicamente nisto: ele obedece às leis naturais porque ele próprio as reconheceu como tais, não porque elas lhe foram impostas exteriormente, por uma vontade estranha, divina ou humana, coletiva ou individual, qualquer.”



“É próprio do privilégio e de toda posição privilegiada matar o espírito e o coração dos homens. O homem privilegiado, seja política, seja economicamente, é um homem depravado de espírito e de coração. Eis uma lei social que não admite nenhuma exceção e que se aplica tanto a nações inteiras quanto às classes, companhias e indivíduos.”



“Reconhecemos, pois, a autoridade absoluta da ciência porque ela tem como objeto único a reprodução mental, refletida e tão sistemática quanto possível, das leis naturais inerentes à vida material, intelectual e moral, tanto do mundo físico quanto do mundo social, sendo estes dois mundos, na realidade, um único e mesmo mundo natural. Fora desta autoridade exclusivamente legítima, pois que ela é racional e conforme à liberdade humana, declaramos todas as outras autoridades mentirosas, arbitrárias e funestas.”



“Numa palavra, rejeitamos toda legislação, toda autoridade e toda influência privilegiada, titulada, oficial e legal, mesmo emanada do sufrágio universal, convencido de que ela só poderia existir em proveito de uma minoria dominante e exploradora, contra os interesses da imensa maioria subjugada. Eis o sentido no qual somos realmente anarquistas.”



“O povo, neste sistema, será eterno estudante e pupilo. Apesar de sua soberania totalmente fictícia, ele continuará a servir de instrumento a pensamentos e vontades, e consequentemente também a interesses que não serão os seus. Entre esta situação e o que chamamos de liberdade, a única verdadeira liberdade, há um abismo. Será sob novas formas, a antiga opressão e a antiga escravidão; e onde há escravidão, há miséria, embrutecimento, a verdadeira materialização da sociedade, tanto das classes privilegiadas quanto das massas.”



“É necessário distribuir a mancheias a instrução no seio das massas e transformar todas as Igrejas, todos estes templos dedicados à glória de Deus e à escravização dos homens, em escolas de emancipação humana.”



“Toda educação racional nada mais é, no fundo, do que a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde esta educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de amor pela liberdade alheia.”



“A verdadeira escola para o povo e para todos os homens feitos é a vida. A única grande todo-poderosa autoridade natural e racional, simultaneamente, a única que poderemos respeitar, será a do espírito coletivo e público de uma sociedade fundada sobre o respeito mútuo de todos os seus membros.”



“Fazei a revolução social. Fazei com que todas as necessidades se tornem realmente solidárias, que os interesses materiais e sociais de cada um se tornem iguais aos deveres humanos de cada um. E, para isso, só há um meio: destruí todas as instituições da desigualdade; estabelecei a igualdade econômica e social de todos, e, sobre esta base, elevar-se-á a liberdade, a moralidade, a humanidade solidária de todos.”



“Em geral a ação do bom Deus e de todas as fantasias divinas sobre a terra finalmente resultou, sempre e em todos os lugares, na fundação do materialismo próspero do pequeno número sobre o idealismo fanático e constantemente faminto das massas.”



“Deus aparece, o homem se aniquila; e quanto maior se torna a Divindade, mais a humanidade se torna miserável. Esta é a história de todas as religiões; este é o efeito de todas as inspirações e de todas as legislações divinas. Na história, o nome de Deus é a terrível clava com a qual os homens diversamente inspirados, os grandes gênios, abateram a liberdade, a dignidade, a razão e a prosperidade dos homens.”



“Os mais inspirados devem ser escutados e obedecidos pelos menos inspirados, pelos não inspirados. Eis o princípio da autoridade bem estabelecido, e com ele as duas instituições fundamentais da escravidão: a Igreja e o Estado.”



“A ciência compreende o pensamento da realidade, não a realidade em si mesma; o pensamento da vida, não a vida. Eis seu limite, o único limite verdadeiramente intransponível para ela, porque ela está fundada sobre a própria natureza do pensamento, que é o único órgão da ciência.”



“Até o presente momento toda a história humana nada mais foi senão uma imolação perpétua e sangrenta de milhões de pobres seres humanos a uma abstração impiedosa qualquer: Deus, Pátria, poder do Estado, honra nacional, direitos históricos, liberdade política, bem público.”



“Bem, a religião é uma loucura coletiva, tanto mais poderosa por ser tradicional e porque sua origem se perde na antiguidade mais remota. Como loucura coletiva, ela penetrou até o fundo da existência pública e privada dos povos; ela se encarnou na sociedade, se tornou, por assim dizer, sua alma e seu pensamento. Todo homem é envolvido por ela desde o seu nascimento; ele a suga com o leite de sua mãe, absorve-a de tudo o que toca, de tudo o que vê. Ele foi, por ela, tão bem nutrido, envenenado, penetrado em todo o seu ser que, mais tarde, por poderoso que seja seu espírito natural, precisa fazer esforços espantosos para se livrar dela, e ainda assim não o consegue de uma maneira completa.”



“Que um gênio sublime, como o divino Platão, tenha podido estar absolutamente convencido da realidade da ideia divina, isto nos demonstra o quanto é contagiosa, o quanto é todo-poderosa a tradição da loucura religiosa, mesmo sobre os maiores espíritos.”



“Com efeito, seria preciso um bem profundo descontentamento da vida, uma grande sede no coração e uma pobreza quase absoluta de pensamento para aceitar o absurdo cristão, o mais monstruoso de todos os absurdos.”

Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876) foi um teórico político russo e um dos principais expoentes do anarquismo em meados do século XIX.

4 de setembro de 2014

O bem e o mal


"O conflito está por toda parte. Este é o século 20 e estamos cercados de conflitos. Como yin e yang, quente e frio, deus e o diabo: tudo é conflito. O universo é assim e, sem conflito, não temos vida. Mas os termos do conflito são vagos. Por exemplo, certo e errado, o que significam essas palavras? Quer dizer, o que significam de verdade; o que é absolutamente certo e o que é absolutamente errado? Poderíamos sentar e fazer uma lista. O que você diria que é errado? Você diria que é errado odiar? Talvez. Mas e em época de guerra? Em guerra, é certo odiar nossos inimigos. é certo matar nossos inimigos. As palavras 'certo' e 'errado', por si, não significam nada. Têm um cheiro de desinfetante de vigilância policial.

E o mal. Algumas pessoas parecem ter um inexplicável desejo de fazer o mal. Mas para quê? Temos como saber o que é o mal? Quais são os sinais do mal? O desejo de destruir é ruim - a destrutividade inexplicável e generalizada. mas nem isso é categórico, não é mesmo? A maior parte da história é sobre destruição, não sobre criação. São mantidos registros sobre guerras, sobre a decadência de civilizações, sobre assassinatos e mortes; sobre homens como Alexandre, o Grande, Napoleão, Hitler e outros que construíram impérios enormes com base em sua habilidade para destruir. Porém, de certa maneira, destruição é um tipo de criação. Quando um vândalo quebra uma cabine telefônica ou entalha seu nome na parede de um vagão do metrô, está deixando sua marca. Ele está, conscientemente ou não, tentando mostrar que existe e que tem a capacidade de afetar as coisas, de mudar as coisas. Violência destrutiva é uma maneira de dizer 'Veja, eu estou aqui'. É o jeito fácil. É a criação negativa. Criação positiva é muito mais difícil - requer paciência e talento. Esses jovens arruaceiros não tem paciência, claro. É muito mais fácil destruir do que pegar um bloco de pedra e, lenta e cuidadosamente, fazer surgir uma imagem - isso requer um artista. Violência é muito mais rápida e, para o arruaceiro, para o valentão, imagino que a violência seja mais gratificante porque é mais livre. Não há restrição, não há controle. Na violência, existe também essa ânsia por liberdade." 

Anthony Burgess

Trecho de um texto publicado originalmente na revista The Listener, em 28/12/1961, sob o título "The human Russians".

John Anthony Burgess Wilson (Manchester, 25 de fevereiro de 1917 — Londres, 22 de novembro de 1993) foi um escritor, compositor e crítico britânico. Prolixo e controverso, é lembrado principalmente pelo décimo oitavo livro, Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1962). Seus livros, críticas e resenhas são marcados por grande sátira social.