Sim! É só uma questão de tempo.
Para uns, a morte chegará mais rápido do que se imagina, enquanto para outros, tardará tanto a vir a ponto de o sujeito ter de enterrar a maioria de seus entes queridos antes de chegar a sua vez.
Além da questão do tempo, outro mistério que ronda a morte é a forma como ela acontecerá. O grande poeta Raul Seixas se perguntava a respeito, na música Canto para minha morte:
“Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa a bater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...”
No caso do biólogo marinho Derek K. Miller foi o “câncer já espalhado e ainda escondido” quem o levou. Derek era um blogueiro canadense cujo site atraiu milhões de leitores após a publicação de uma mensagem póstuma.
O texto Last post ('Último post') foi escrito pelo próprio Derek Miller para ser publicado no site Penmachine.com.
Derek K. Miller nasceu no dia 30 de junho de 1969 em Vancouver, e morreu no dia 03 de maio de 2011 em Burnaby, aos 41 anos de idade em decorrência de um câncer. Era casado com Airdrie e tinha duas filhas, Lauren, 11, e Marina, 13. Antes de morrer, Derek solicitou à sua família e amigos que publicassem em seu blog um último texto escrito por ele anteriormente.
“Eu estou morto, e este é meu último post no meu blog. De antemão, eu pedi que, quando meu corpo finalmente se desligasse dos castigos do meu câncer, minha família e amigos publicassem esta mensagem que escrevi.”
No post, Derek conta como conheceu Airdrie, sua esposa e melhor amiga:
“Estudamos Biologia na UBC, onde nos conhecemos em 1988... Nós fizemos algumas aulas juntos, então perdemos o contato. Mas, alguns anos mais tarde ... Airdrie me escreveu uma carta – sim! Papel! – e ... eu escrevi de volta. Destas sementes um jardim floresceu: era março de 1994, e em agosto de 1995 nós estávamos casados. Eu nunca tive dúvidas, porque sempre nos demos muito bem juntos... No entanto, eu não imaginava que o nosso tempo juntos seria tão curto: 23 anos desde o nosso primeiro encontro até a minha morte? Não foi o suficiente. Nem perto de ser suficiente.”
Em seguida, demonstrando sinais de grande lucidez e racionalidade, mesmo nos momentos finais de sua vida, Dereck escreve sobre o que aconteceu com ele após sua morte:
“Eu não fui para um lugar melhor ou pior. Eu não fui para lugar algum, porque Derek não existe mais. Assim que meu corpo parou de funcionar, e os neurônios do meu cérebro encerraram suas conexões, eu fiz uma transformação notável: de um organismo vivo para um cadáver, como uma flor ou um camundongo que não resistiu a uma noite particularmente fria.”
Ele ressalta que não tinha medo do momento da morte em si, mas do processo que a antecede. Mas, considera-se uma pessoa de sorte por ter mantido as faculdades mentais até o fim:
“Eu não tinha medo da morte, do momento em si e do que veio depois, que não era nada... Fiquei um pouco receoso com o processo de morrer, da fraqueza e cansaço crescentes, da dor, de me tornar cada vez menos eu mesmo enquanto chegava lá. Eu tive sorte por minhas faculdades mentais terem sido pouco afetadas ao longo dos meses e anos antes do fim, e não houve nenhum sinal de câncer no meu cérebro – pelo menos que eu ou qualquer outra pessoa soubesse.”
Em seguida, ele fala um pouco sobre a criação do seu blog, no ano 2000, quando tinha 31 anos, e sobre algumas coisas que estavam acontecendo na época:

O World Trade Center ainda estava em Nova York ... enquanto Saddam Hussein, Hosni Mubarak, Kim Jong-Il, Ben Ali, e Muamar Kadafi, detinham o poder no Iraque, Egito, Coréia do Norte, Tunísia e Líbia. ...
E eu não tinha câncer. Não tinha a menor idéia de que iria ter, certamente não na próxima década, ou que ele iria me matar.”
Ele explica que mencionou estes acontecimentos para exemplificar que lamenta o fato de nunca saber o que acontecerá no futuro:
“Por que eu menciono tudo isso? Porque eu percebi que, a qualquer momento, eu posso lamentar o que eu nunca vou saber, mas não me arrependo do que me levou aonde estou. Eu poderia ter morrido em 2000, feliz com minha vida: minha mulher incrível, minhas filhas ótimas, um trabalho divertido, e passatempos que eu gostava. Mas eu teria perdido um monte de coisas.
E muitas coisas vão acontecer agora sem mim ... Como será o mundo em 2021, ou em 2060, quando eu teria 91 anos, a idade da minha avó? Quais novidades conheceremos? O quanto os países e as pessoas terão mudado? Como nos comunicaremos e nos deslocaremos? Quem iremos admirar, ou desprezar?
O que a minha esposa Air estará fazendo? Minhas filhas Marina e Lolo? O que elas terão estudado, como passarão o tempo e ganharão a vida? Será que minhas filhas terão seus próprios filhos? Netos? Haverá partes de suas vidas que eu acharia difícil de compreender agora?”
Mas, apesar disso, o pior pensamento é saber que não estará ao lado das pessoas que ama no futuro, para apoiá-las e participar dos seus sucessos e derrotas. De qualquer forma, ele procura deixar bem claro que a vida continua, e que sua família deve aprender com este episódio e seguir em frente:

Acontece que ninguém pode imaginar o que realmente acontecerá em nossas vidas. Podemos planejar e fazer o que nos agrada, mas não sabemos se nossos planos vão dar certo. Alguns deles vão, enquanto a maioria provavelmente não irá. Invenções e ideias vão aparecer, e ocorrerão eventos que jamais poderíamos prever. Isso não é bom nem ruim, mas é real.
Eu acho e espero que seja isto o que as minhas filhas aprendam com minha doença e morte. E que a minha maravilhosa e incrível esposa Airdrie possa ver também. Não que elas poderão morrer a qualquer momento, mas que elas devem perseguir aquilo que gostam, e que estimula a mente, tanto quanto possível, para que possam estar prontas para as oportunidades, bem como não se desapontar quando as coisas não saem como o planejado, como inevitavelmente acontece .
E, para terminar, ele enfatiza sua admiração por todas as coisas e declara o seu amor às filhas e esposa:
“O mundo, na verdade todo o universo, é um lugar lindo, maravilhoso e surpreendente. Há sempre mais para descobrir. Eu não olho para trás e me arrependo de qualquer coisa, e espero que minha família possa encontrar uma maneira de fazer o mesmo.
O que é verdade é que eu as amava. Lauren e Marina, enquanto amadurecem e se tornam vocês mesmas ao longo dos anos, saibam que eu as amei e fiz o meu melhor para ser um bom pai.
Airdrie, você foi minha melhor amiga e minha conexão mais próxima. Eu não sei o que teria sido de nós sem o outro, mas acho que o mundo teria sido um lugar mais pobre. Eu te amei profundamente, eu te amei, eu te amei, eu te amei.”
Enfim, “The last post” é um texto que nos ajuda a refletir sobre a brevidade da vida e sobre o que realmente é importante, enquanto estamos vivos.
Os parágrafos em azul são trechos do post original e a tradução é minha. O post completo pode ser conferido aqui.