Terminei recentemente a leitura do livro "Deus e o Estado" do russo Mikhail Bakunin. Seguem os trechos mais interessantes que separei para o blog.
“Três elementos ou três princípios fundamentais
constituem, na história, as condições essenciais de todo desenvolvimento humano,
coletivo ou individual: 1º) a animalidade humana; 2º) o pensamento; 3º) a
revolta. A primeira corresponde propriamente à economia social e privada; a
segunda, à ciência; a terceira, à liberdade.”
“Toda a história intelectual e moral, política e
social da humanidade é um reflexo de sua história econômica.”
“Sim, nossos primeiros ancestrais, nossos Adão e
Eva foram, senão gorilas, pelo menos primos muito próximos dos gorilas, dos
onívoros, dos animais inteligentes e ferozes, dotados, em grau maior do que o
dos animais de todas as outras espécies, de duas faculdades preciosas: a
faculdade de pensar e a necessidade de se revoltar.”
“Mas eis que chega Satã, o eterno revoltado, o
primeiro livre-pensador e o emancipador dos mundos! Ele faz o homem se
envergonhar de sua ignorância e de sua obediência bestiais; ele o emancipa,
imprime em sua fronte a marca da liberdade e da humanidade, levando-o a
desobedecer e a provar do fruto da ciência.”
“Tais são os contos absurdos que se narram e as
doutrinas monstruosas que se ensinam, em pleno século XIX, em todas as escolas
populares da Europa, sob ordem expressa dos governos. Chama-se a isto civilizar
os povos! Não é evidente que todos os governos são os envenenadores
sistemáticos, os embrutecedores interessados das massas populares?”
“O homem se emancipou, separou-se da animalidade e
se constituiu homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento
especificamente humano por um ato de desobediência e de ciência, isto é, pela
revolta e pelo pensamento.”
“O povo, infelizmente, é ainda muito ignorante e
mantido na ignorância pelos esforços sistemáticos de todos os governos que
consideram isso, com muita razão, como uma das condições essenciais de seu
próprio poder.”
“Esmagado por seu trabalho quotidiano, privado de
lazer, de comércio intelectual, de leitura, enfim, de quase todos os meios e de
uma boa parte dos estímulos que desenvolvem a reflexão nos homens, o povo
aceita, na maioria das vezes, sem crítica e em bloco, as tradições religiosas.
Elas o envolvem desde a primeira idade, em todas as circunstâncias de sua vida,
artificialmente mantidas em seu seio por uma multidão de corruptores oficiais
de todos os tipos, padres e leigos, elas se transformam entre eles em um tipo
de hábito mental, frequentemente mais poderoso do que seu bom senso natural.”
“Até o século de Galileu e de Copérnico, todo mundo
acreditava que o sol girava em torno da terra. Todo mundo não estava errado? O
que há de mais antigo e de mais universal do que a escravidão? A antropofagia,
talvez. Desde a origem da sociedade histórica, até nossos dias, sempre houve, e
em todos os lugares, exploração do trabalho forçado das massas, escravos,
servos ou assalariados, por alguma minoria dominante, opressão dos povos pela
Igreja e pelo Estado.”

“Resulta daí que a antiguidade de uma crença, de
uma ideia, longe de provar alguma coisa em seu favor, deve, ao contrário,
torná-la suspeita para nós. Isto porque atrás de nós está nossa animalidade, e
diante de nós nossa humanidade; a luz humana, a única que pode nos aquecer e
nos iluminar, a única que nos pode emancipar, tornar-nos dignos, livres,
felizes, e realizar a fraternidade entre nós, jamais está no princípio, mas,
relativamente, na época em que se vive, e sempre no fim da história.”
“Se nos é permitido, se é mesmo útil, necessário
nos virarmos para o estudo de nosso passado, é apenas para constatar o que
fomos e o que não devemos mais ser, o que acreditamos e pensamos, e o que não
devemos mais acreditar nem pensar, o que fizemos e o que nunca mais deveremos
fazer.”
“Enquanto a raiz de todos os absurdos que
atormentam o mundo não for destruída, a crença em Deus permanecerá intacta e
jamais deixará de produzir novos brotos.”
“Essas disposições místicas não denotam no homem
somente uma aberração do espírito, mas um profundo descontentamento do coração.
E o protesto instintivo e apaixonado do ser humano contra as estreitezas, as
vulgaridades, as dores e as vergonhas de uma existência miserável. Contra esta
doença, já disse, só há um único remédio: a Revolução Social.”
“Todas as religiões, com seus deuses, seus
semideuses e seus profetas, seus messias e seus santos, foram criadas pela
fantasia crédula do homem, que ainda não alcançou o pleno desenvolvimento e a
plena possessão de suas faculdades intelectuais.”
“A ideia de Deus implica a abdicação da razão e da
justiça humanas; ela é a negação mais decisiva da liberdade humana e resulta
necessariamente na escravidão dos homens, tanto na teoria quanto na prática.”
“É preciso lembrar quanto e como as religiões
embrutecem e corrompem os povos? Elas matam neles a razão, o principal instrumento
da emancipação humana e os reduzem à imbecilidade, condição essencial da
escravidão.”
“Sua existência implica necessariamente a
escravidão de tudo o que se encontra debaixo dele. Assim, se Deus existisse, só
haveria para ele um único meio de servir à liberdade humana; seria o de cessar
de existir.”
“A liberdade do homem consiste unicamente nisto:
ele obedece às leis naturais porque ele próprio as reconheceu como tais, não
porque elas lhe foram impostas exteriormente, por uma vontade estranha, divina
ou humana, coletiva ou individual, qualquer.”
“É próprio do privilégio e de toda posição
privilegiada matar o espírito e o coração dos homens. O homem privilegiado,
seja política, seja economicamente, é um homem depravado de espírito e de
coração. Eis uma lei social que não admite nenhuma exceção e que se aplica
tanto a nações inteiras quanto às classes, companhias e indivíduos.”
“Reconhecemos, pois, a autoridade absoluta da
ciência porque ela tem como objeto único a reprodução mental, refletida e tão
sistemática quanto possível, das leis naturais inerentes à vida material,
intelectual e moral, tanto do mundo físico quanto do mundo social, sendo estes
dois mundos, na realidade, um único e mesmo mundo natural. Fora desta
autoridade exclusivamente legítima, pois que ela é racional e conforme à
liberdade humana, declaramos todas as outras autoridades mentirosas,
arbitrárias e funestas.”
“Numa palavra, rejeitamos toda legislação, toda
autoridade e toda influência privilegiada, titulada, oficial e legal, mesmo
emanada do sufrágio universal, convencido de que ela só poderia existir em
proveito de uma minoria dominante e exploradora, contra os interesses da imensa
maioria subjugada. Eis o sentido no qual somos realmente anarquistas.”

“É necessário distribuir a mancheias a instrução no
seio das massas e transformar todas as Igrejas, todos estes templos dedicados à
glória de Deus e à escravização dos homens, em escolas de emancipação humana.”
“Toda educação racional nada mais é, no fundo, do
que a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde esta
educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de
amor pela liberdade alheia.”
“A verdadeira escola para o povo e para todos os
homens feitos é a vida. A única grande todo-poderosa autoridade natural e
racional, simultaneamente, a única que poderemos respeitar, será a do espírito
coletivo e público de uma sociedade fundada sobre o respeito mútuo de todos os
seus membros.”
“Fazei a revolução social. Fazei com que todas as
necessidades se tornem realmente solidárias, que os interesses materiais e
sociais de cada um se tornem iguais aos deveres humanos de cada um. E, para
isso, só há um meio: destruí todas as instituições da desigualdade; estabelecei
a igualdade econômica e social de todos, e, sobre esta base, elevar-se-á a
liberdade, a moralidade, a humanidade solidária de todos.”
“Em geral a ação do bom Deus e de todas as
fantasias divinas sobre a terra finalmente resultou, sempre e em todos os
lugares, na fundação do materialismo próspero do pequeno número sobre o
idealismo fanático e constantemente faminto das massas.”
“Deus aparece, o homem se aniquila; e quanto maior
se torna a Divindade, mais a humanidade se torna miserável. Esta é a história
de todas as religiões; este é o efeito de todas as inspirações e de todas as
legislações divinas. Na história, o nome de Deus é a terrível clava com a qual
os homens diversamente inspirados, os grandes gênios, abateram a liberdade, a
dignidade, a razão e a prosperidade dos homens.”
“Os mais inspirados devem ser escutados e
obedecidos pelos menos inspirados, pelos não inspirados. Eis o princípio da
autoridade bem estabelecido, e com ele as duas instituições fundamentais da escravidão:
a Igreja e o Estado.”
“A ciência compreende o pensamento da realidade,
não a realidade em si mesma; o pensamento da vida, não a vida. Eis seu limite,
o único limite verdadeiramente intransponível para ela, porque ela está fundada
sobre a própria natureza do pensamento, que é o único órgão da ciência.”
“Até o presente momento toda a história humana nada
mais foi senão uma imolação perpétua e sangrenta de milhões de pobres seres
humanos a uma abstração impiedosa qualquer: Deus, Pátria, poder do Estado,
honra nacional, direitos históricos, liberdade política, bem público.”
“Bem, a religião é uma loucura coletiva, tanto mais
poderosa por ser tradicional e porque sua origem se perde na antiguidade mais
remota. Como loucura coletiva, ela penetrou até o fundo da existência pública e
privada dos povos; ela se encarnou na sociedade, se tornou, por assim dizer,
sua alma e seu pensamento. Todo homem é envolvido por ela desde o seu
nascimento; ele a suga com o leite de sua mãe, absorve-a de tudo o que toca, de
tudo o que vê. Ele foi, por ela, tão bem nutrido, envenenado, penetrado em todo
o seu ser que, mais tarde, por poderoso que seja seu espírito natural, precisa
fazer esforços espantosos para se livrar dela, e ainda assim não o consegue de
uma maneira completa.”
“Que um gênio sublime, como o divino Platão, tenha
podido estar absolutamente convencido da realidade da ideia divina, isto nos
demonstra o quanto é contagiosa, o quanto é todo-poderosa a tradição da loucura
religiosa, mesmo sobre os maiores espíritos.”
“Com efeito, seria preciso um bem profundo
descontentamento da vida, uma grande sede no coração e uma pobreza quase
absoluta de pensamento para aceitar o absurdo cristão, o mais monstruoso de
todos os absurdos.”
Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876) foi um teórico político russo e um dos principais expoentes
do anarquismo em meados do século XIX.